domingo, 15 de dezembro de 2013

O Cravo - O Instrumento e Sua História



Erroneamente tido como precursor do piano, o cravo difere muito desse instrumento, entre outras coisas porque suas cordas são tangidas, e não percutidas.
Instrumento musical de cordas e teclado, que atingiu o apogeu na primeira metade do século XVIII, o cravo foi praticamente abandonado durante o século seguinte. No início do século XX, a redescoberta dos antigos mestres e a divulgação de um imenso e valioso repertório, produzido durante cerca de 300 anos, da Renascença ao barroco, reabilitou o cravo.
O som do cravo é produzido por meio de plectros, que puxam as cordas e as fazem vibrar, exatamente como os dedos fazem soar a corda do violão. No passado, esses plectros, montados em pequenos dispositivos denominados saltadores, eram feitos da parte dura das penas das aves, principalmente ganso ou corvo; hoje se usa um tipo de plástico, o delrin.
Uma das particularidades do cravo é a capacidade de registração, isto é, a possibilidade de obter sons diversos ao se tocar a mesma tecla. É que, para cada nota do teclado, existem três ou quatro cordas separadas, cada qual com um saltador exclusivo, e que, por terem diferentes tamanhos ou espessuras, ou por serem feridas pelos plectros em diferentes pontos de sua extensão, produzem sons diversos. Por exemplo, ao tocar um lá no teclado, pode-se obter um som arredondado, ou mais anasalado, ou um som de alaúde, ou fazer soar o lá uma oitava acima ou abaixo. A possibilidade de se combinarem essas diferentes cordas, ou tocá-las juntas, aumenta a versatilidade do instrumento e multiplica os recursos de execução.
O cravo foi o instrumento de todos os compositores para teclado no século XVII e na primeira metade do século XVIII: Bach, Haendel, Domenico Scarlatti, Couperin e Rameau são os maiores nomes. As obras de Mozart, com exceção dos concertos para piano e orquestra, em sua maioria se destinavam ao cravo. As primeiras sonatas de Beethoven também foram executadas no cravo.
Supõe-se que o cravo deriva do saltério ou címbalo, forma rudimentar da cítara, cujas cordas eram acionadas por meio de um plectro ou palheta de pena de ave. O cravo teria nascido da idéia de equipar esse instrumento com uma palheta para cada corda e acionar o conjunto de cordas por meio de um teclado, e dessa forma enriquecer as possibilidades do saltério.
O cravo mais antigo que se conhece está no Victoria e Albert Museum de Londres. Na Inglaterra, França, Espanha e também nos domínios dos duques de Borgonha no século XIV, há menções ao eschequier, descrito numa carta de João I de Aragão a Filipe II o Audaz, duque de Borgonha, como "um instrumento igual ao órgão, mas que soa por meio de cordas".
A Itália tornou-se o primeiro centro de produção de cravos, e os espalhou por toda a Europa até o surgimento dos modelos produzidos pela família Rückers, da Antuérpia, na segunda metade do século XVI. Tais modelos passaram a influenciar toda a produção européia e notadamente a da França.
O século XVIII assistiu ao apogeu e declínio do cravo. Foi a base da orquestra da época e, graças a sua sonoridade, foi o instrumento dominante nos teatros e igrejas. As críticas desfavoráveis começaram na segunda metade do século XVIII, quando os novos estilos musicais impunham uma execução com nuanças entre o forte e o fraco, com crescendos e diminuendos, impossível de conseguir no cravo. Em 1795, na celebração do aniversário de Jorge III da Inglaterra, usou-se um piano no lugar do tradicional cravo para o acompanhamento do canto. Essa ocasião ficou como a data símbolo em que o cravo passou a ser considerado antiquado e obsoleto. Veio o esquecimento e durante um século o cravo passou à condição de peça de museu. Muitos cravos tiveram seu mecanismo retirado para aproveitar a caixa e transformá-los em pianos. Na França, por serem considerados instrumentos da nobreza, foram confiscados e queimados durante a revolução francesa.
A ressurreição do cravo ocorreu no início do século XX, quando a pianista polonesa Wanda Landowska, apaixonada pelos antigos mestres, decidiu revivê-los usando o cravo, para o qual haviam composto. Como primeiro passo, dedicou-se pessoalmente à reconstituição do instrumento, do qual se tornou a maior executante, e seus concertos acabaram por atrair muitos músicos para o cravo. Um de seus alunos mais famosos foi o americano Ralph Kirkpatrick. No Brasil, Roberto de Regina tornou-se o maior instrumentista e incentivador do cravo.
A arte de bem tocar um cravo é um constante desafio para o intérprete, mesmo para os mais habituados à música dos mestres antigos. O cravo requer uma técnica de execução especial, completamente diferente da execução pianística. O cravista não pode usar o peso das mãos ou dos braços, nem tentar percutir a nota com maior ou menor força. Toda a técnica clavecinística repousa na obtenção de um legato perfeito básico, sobre o qual todas as nuanças, desde o molto legato ao molto staccato se farão sentir com nitidez. A registração e a riquíssima variedade de ornamentação legada pelo gosto da época completam os recursos do intérprete, que deverá ter, além de grande sensibilidade, a habilidade de expressar a estrutura vertical de um movimento de música pela exposição de suas várias seções em diferentes timbres ou em diversos níveis dinâmicos, como também sublinhar os elementos horizontais e vestir cada voz com uma cor específica.
Pertencem à família do cravo a espineta, pequeno instrumento de forma triangular ou quadrangular e lados irregulares; o virginal, geralmente sem pés e colocado sobre a mesa; e a oitavina, o menor de todos, sempre colocado sobre a mesa. Esses instrumentos não ofereciam a possibilidade de registração do cravo, por terem apenas um jogo de cordas e saltadores, e portanto um único timbre. Esses foram os instrumentos de teclas mais importantes entre 1500 e 1800. O cravo, de maiores dimensões, era geralmente dotado de dois teclados, aos quais podiam juntar-se tastos - filetes metálicos que marcam a posição em que o executante deve colocar os dedos - para fazer variar o tom das cordas.
Não se deve incluir o clavicórdio na família do cravo. O clavicórdio é contemporâneo do cravo, sua forma é semelhante à do virginal, mas a produção do som se faz por mecanismo inteiramente diverso: ao tocarem a corda, tangentes de metal determinam seu comprimento vibrante e produzem um som quase inaudível, mas de grande beleza e com a possibilidade de nuanças dinâmicas e também de vibrato.
Matéria publicada na EmDiv Magazine Kindle Edition - Agosto 2011
Para melhor apreciarmos a sonoridade deste belo instrumento não deixe de ouvir de Johann Sebastian Bach o Concerto para Cravo nº 1 BWV 1052

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